domingo, 21 de dezembro de 2008

Tanto de Meu Estado Me Acho Incerto


Tanto do meu estado me acho incerto,

Que em vivo ardor tremendo estou de frio;

Sem causa, juntamente choro e rio,

O mundo todo abarco e nada aperto.


É tudo quanto sinto, um desconcerto;

Da alma o fogo me sai, da vista um rio;

Agora espero, agora desconfio,

Agora desvario, agora acerto.


Estando em terra, chego ao céu voando,

Numa hora acho mil anos, e é de jeito

Que em mil anos não posso achar uma hora.


Se me pergunta alguém porque assi ando

Respondo que não sei; porém suspeito

Que só porque vos vi, minha Senhora.


Luís Vaz de Camões

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ópera do Malandro

TERESINHA
O amor não tem fronteiras. O amor destrói barreiras.
Só o amor constrói. E nós vamos contruir um bangalô
em Teresópolis! (Sobe as escadas cantarolando)

DURAN
Onde foi que ela ouviu tanta cretinice?

VITÓRIA
Aqui em casa é que não foi.

DURAN
Nunca demos mal exemplo.

VITÓRIA
É. Só pode ser influência dessas malditas novelas da
Rádio Nacional.

DURAN
Eu atiro esse rádio pela janela!

Teresinha desce com a mala

VITÓRIA
Teresinha, duas pessoas podem até se amar que nem
nas novelas. Só que na vida real, se você ama uma pes-
soa, é lógico que não vai casar com ela. Casa com qual-
quer outro. Veja teu pai e eu. Como é que esse casa-
mento durou esse tempo todo? Aqui ninguém ama nem
desama.

DURAN
Nem fede, nem cheira.

VITÓRIA
Nem bate, nem alisa. Então é casamento pra vida in-
teira. É pão pão, queijo queijo. É um tijolo.

DURAN
É sólido como um banco.

VITÓRIA
Porque ninguém suporta os defeitos da pessoa amada
por mais de um fim de semana em Paquetá. Depos a
pessoa amada vai ficando é muito chata. O amor vai
virar exigência e exigência vai virar frustração que vai
virar rancor qie vai virar ódio e o ódio vai ser mortal.
Aí não tem perdão, Teresinha. Só se perdoa a quem
não se ama.

A orquestra ataca em ritmo de valsa
Teresinha canta "Teresinha"
O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E assustada eu disse não
O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida
Me encotrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me negava nada
E assustada eu disse não
O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse nãp
Se instalou foito posseiro
Dentro do meu coração
A orquestra silencia
Trecho da Cena 3 - Ópera do Malandro - Chico Buarque

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Memórias de uma Infância Mágica e Inesquecível

Um minutinho de sua atenção, por favor. Costumo publicar aqui textos de famosos. Porém hoje um outro me chamou atenção. Escrito pela aluna da mamãe, que está apenas na sétima série, melhor até que alguns escritores de renome e que de vez enquando dão um pulinho na Ilha de Caras. Vale a pena ler!

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Tranqüilidade, calma, clima ameno. Características da minha cidade, do bairro, da rua. Naquele tempo, as pessoas não tinham pressa nenhuma, com exceção das que perdiam constantemente o bonde. Minha rua era simples e não muito movimentada. Eu era um garoto humilde e isso era o suficiente para me deixar feliz. Lembro-me que na esquina havia uma guarita, onde três policiais se mantinham vigilantes. Eu os observava durante horas e os copiava nos gestos e no jeito. Queria ser um deles. Uma profissão perigosa. Mesmo tendo vigilantes atentos, às vezes apareciam uns gatunos por lá. Além disso, eu adorava a idéia de proteger as pessoas. Ficaria orgulhoso em resguardar a dona Rosinha, o seu Sebastião, o Português da padaria, o senhor Loyola (acho que todos já são falecidos hoje).

Adorava brincar com os amigos. Jogávamos bola, batíamos cartas, brincávamos com bolinhas de gude, de pique, com carrinho de rolimã (feitos por nós mesmos), andávamos de bicicleta, soltávamos pipa, pião... Gostávamos de brincar em um pontilhão, perto de casa. Passar por cima de um córrego, sem nos molhar, era algo sensacional para crianças inocentes. Jogávamos bola em uma ribeira, perto do regato e sempre cortávamos o pé em cacos de vidro abandonados no chão. Deitávamos por ali mesmo e ficávamos vendo os aviões passarem. Adorávamos correr. Às vezes, corríamos com medo da repreensão dos vizinhos, depois de "fazer arte", como dizia a mamãe, ou quando perseguíamos os gatos que lá na rua moravam, com a intenção de assustar os bichanos.Na rua, o chão era de terra e as casas eram antigas já naquela época. Não havia muita iluminação à noite; usávamos lampiões. Eu adorava o domingo. Era dia de ir à capela e de comer paçoca, aquelas vendidas na rua.

A escola era pequena e pouco freqüentada. Os professores eram rígidos (e cruéis). No castigo, os joelhos sofriam no milho, a visão era voltada para a parede ou ficávamos atrás da porta. Não podíamos reclamar de nada. O clima era insípido, mas o ensino era bom.Namoradas? Só depois dos quinze... Essa era uma das regras que eu menos respeitava. Tinha uns casos com umas garotas mais velhas da escola, mas nada passava do portão. Considerávamos namorados ao pegar na mão, beijar no rosto... Tinha sorte por minha escola ter estudantes de sexos diferentes, pois não era muito comum.Amava ouvir os jogos de futebol pelo radinho pequeno e velho do meu pai. Gostava das novelas também, mas meus pais não deixavam. Diziam que era coisa de meninas... Eu corria do cinto, quando eles me pegavam ouvindo uma.

O tempo passou e eu tive várias profissões, mas nenhuma delas foi de vigilante. Tudo mudou. Tudo mudou muito. A evolução daquela época até hoje pode ser observada sob vários pontos de vista. Mas em minha opinião, Antônio Francisco, um velho cansado e vivido, as boas lembranças daqueles tempos são insubstituíveis. E acho que assim vai ser daqui a cinqüenta anos, quando meus netos poderão contar aos seus filhos, assim como eu faço agora, as suas queridas memórias de uma infância mágica e inesquecível.

Mariana Geada Cavalieri

sábado, 6 de dezembro de 2008

Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive


E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


Manuel Bandeira